Encontro com a Capoeira
Passada a época dos treinos solo, tive alguns companheiros de treino...
Mas, antes de falar deles, deixe-me tentar descrever o local dos treinamentos.
A casa onde vivia, num dos morros de Florianópolis, tinha um porão que nesta época virou meu quarto de dormir... Neste quarto havia, é claro, cama e outros móveis e o espaço que sobrava para treinamento era de aproximadamente 6,00m2 (1,50m de largura x 4,00m de comprimento).
Mesmo assim, usando os móveis como peças de treino, a escada para alongamentos, etc, treinavam três e às vezes quatro pessoas (amigos e vizinhos).
Depois da morte de minha mãe, mudei-me para o andar de cima e o porão foi transformado em local “oficial” de treinos, agora com um espaço maior 2,50m x 6,00m (não é grande coisa como academia, mas bem mais espaçoso que o anterior)!
Comecei a dar aulas de graça para a vizinhança, repassando o pouco que havia aprendido para aqueles que desejassem aprender. Um dia apareceu um garoto, dez anos mais moço que eu, perguntando se ali morava um professor que dava aulas de graça e se ele poderia treinar?
O garoto chamava-se Michel Barbosa, treinava capoeira e demonstrou muita disposição e facilidade de aprendizado. Foi o início de uma grande amizade e de uma parte importante na criação da futura Arte do Bushidô.
Depois de algum tempo deixou de existir o professor e o aluno e surgiu uma dupla de amigos que treinavam várias horas por dia, sete dias por semana... Saíamos para treinar com outros amigos, instrutores de outras artes marciais, enfim com quem estivesse a fim de treinar e que tivesse a mesma disposição para aprender.
Criávamos equipamentos, misturávamos técnicas de diversas artes marciais, procurando o que fosse eficiente comodefesa pessoal.
O engraçado é que nós dois tínhamos gênios muito parecidos e aconteceu que, enquanto eu havia ficado mais calmo e tranqüilo, Michel, mais novo, era igual a mim na juventude.
Isso acabou sendo bom para os dois: Muitas vezes eu perdia o pique, a disposição de treinar duro – aí o Michel aparecia com todo aquele gás e disposição e praticamente me empurrava para o treino - enquanto que a minha experiência e o autocontrole ajudavam a amenizar o instinto “guerreiro” de Michel.
Foi uma época de muito aprendizado! Compramos saco de pancada, luvas de boxe e todas as técnicas que aprendíamos com alguém, víamos em filmes ou criávamos, eram testadas entre nós – algumas vezes exagerávamos nas aplicações e saiamos machucados – mas tudo era pra ver se iria funcionar na rua ou não!
E, quando os vizinhos, aos poucos, foram deixando de vir, por não agüentarem o pique daqueles “dois malucos”, como éramos chamados, o treino virou um dueto...
Há muitas histórias desta época, e uma das mais engraçadas vou relatar agora:
Treinávamos, Michel e eu, numa sexta-feira à noite quando apareceu um rapaz que morava na vizinhança e perguntou se poderia treinar conosco, pois gostaria muito de aprender defesa pessoal. A resposta, como sempre, foi afirmativa, pois todos que quisessem treinar sempre eram bem recebidos.
Ele ficou assistindo nosso treino durante quase uma hora e depois se despediu e foi embora dizendo que viria na segunda-feira seguinte para começar o treino.
Após sua saída, no final do treino, Michel e eu fizemos o de sempre – colocávamos as luvas e testávamos as técnicas. Lá pelas tantas, Michel acertou um golpe na região das costelas em mim e eu, simultaneamente, acertei um golpe na boca de Michel – resultado: no outro dia, sábado, o rapaz que disse que viria treinar na segunda-feira, viu Michel com a boca inchada, sem poder falar direito e eu com as costelas enfaixadas, respirando com dificuldade... Quando perguntou o que acontecera teve a mesma resposta dos dois – foi ontem no treino!!!
Até hoje estamos esperando o rapaz para treinar...!!! É claro que aquele tipo de treinamento só era feito entre nós ou alguém bem treinado e que os iniciantes e alunos não participavam – mas vai explicar isso pro cara!
Nossa amizade dura até os dias atuais, tanto que Michel é padrinho de Bárbara, a minha filha mais velha.
Com o tempo Michel passou a dedicar-se a Capoeira e outras atividades, mas todos os praticantes devem saber que se hoje o Bushidô preza por trabalhar técnicas de real eficiência em combate, com certeza Michel Barbosa teve uma participação fundamental no processo!
Roberto Silva – Fundador da Escola Bushidô