Pixote e “Os Caras lá de Baixo”
Os treinos continuavam sendo realizados diariamente... E temos outra história desta época...
Nessa época alguns rapazes da região que não praticavam artes marciais, costumavam falar mal dos “dois malucos” que desciam o morro para ir treinar na Av. Beiramar, levando aparadores de chute, cordas, etc...
É claro que só falavam “pelas costas” e chegavam a dizer: “Quando eles passarem por aqui, vamos dar uma surra neles pra provar que não são de nada”!
Porém, o local onde se reuniam, na rua, era passagem obrigatória para mim e Michel e todos os dias passávamos cerca de quatro vezes por eles sem que se ouvisse uma palavra sequer – alguns até nos cumprimentavam com um “E daí?” (cumprimento usual na época) ou um aceno de cabeça!
Certo dia, numa roda de Capoeira, Michel conheceu um menino de rua chamado de Pixote (talvez influência de um filme da época) que não podia pagar os treinos normais de academia e levou-o para treinar conosco.
O menino de uns 12 anos subia o morro todos os dias para treinar e os rapazes lá de baixo sempre se riam dele, tanto na ida, quanto na volta...
Um dia Pixote chegou para treinar e nos disse que eles tinham dado-lhe um “cascudo” e disseram que no outro dia surrariam a mim e ao Michel.
Já podem imaginar a reação de Michel – queria descer na mesma hora e resolver na briga – mas pedi para que quando Pixote descesse o morro e passasse por eles dissesse o seguinte: “Eles mandaram perguntar pra vocês porque vocês não aproveitam e falam tudo isso pessoalmente todas as vezes que eles passam por aqui?”
Foi um santo remédio, deixaram o menino em paz!
Quero contar-lhes outra história desta época porque acho que é um bom exemplo de como as pessoas podem mudar sua vida, apesar das circunstâncias...
Uma noite Michel chegou indignado em minha casa, porque seu pai tinha lhe dado um “corretivo” por ter brigado com um rapaz da vizinhança.
A história foi a seguinte: Havia um garoto, meu vizinho, que queria fazer parte daquela “turma lá de baixo” como eram chamados – eram garotos que não trabalhavam, iam para a escola para se divertir em vez de estudar e passavam o tempo livre na rua rindo e falando mal das pessoas – pois ele achava que ser um deles seria, como nos dias de hoje “fazer parte da turma, da maioria”!
O que os caras fizeram? Deram como teste para ele ser “incluído” no grupo, brigar com Michel e dar uma surra nele!
Resultado: O rapaz apanhou uma senhora surra; o que fez com que o pai de Michel o repreendesse por brigar na rua.
Naquela época as “drogas” não eram tão comuns como nos dias de hoje e a maior preocupação dos pais era com as brigas – isso sim muito comum naqueles dias, embora brigassem sem o uso de armas, como hoje.
Depois da surra o rapaz ficou envergonhado e queria revanche, pois os “amigos” entendiam que para entrar na turma tinha que cumprir o teste – a verdade é que eles colocavam outra pessoa para tentar fazer o que eles não podiam.
Alguns dias depois ele cercou Michel para outra briga e tomou outra surra, um pouco maior que a primeira.
Algum tempo depois, esse mesmo rapaz chegou na “nossa academia” e perguntou-me se poderia treinar?! (é bom lembrar que embora o espaço fosse pequeno, para nós era a nossa academia).
Apesar de estranhar o pedido, aceitei com a condição de ele fazer as pazes com Michel, pois não iria permitir que duas pessoas treinassem juntas sendo inimigas!
Disse para o rapaz que se os “caras lá de baixo” fossem seus amigos de verdade, não iriam fazer o que fizeram; pois amigos desejam o melhor uns para os outros...
Quando Michel chegou, o rapaz pediu desculpas que foram aceitas prontamente e ele passou a treinar na “academia”, ficando em pouco tempo nosso amigo.
Contei-lhes essa história para que reflitam sobre as “companhias” que freqüentam e para que percebam que sempre podemos mudar, desde que tenhamos força de vontade e que amizade é coisa séria e, infelizmente nos dias de hoje, muito rara!!??
Outra coisa! Se um amigo lhe oferecer drogas ou convidá-lo para fazer algo ilegal, pode ter certeza de que ele NÃO é seu amigo!!!
Mas, como ensinamos na Escola Bushidô, a ESCOLHA é exclusivamente sua!!!
Roberto Silva – Fundador da Escola Bushidô